Na cidade cinza, de cores artificiais
Pessoas caminham apressadas sem ter para onde ir
Passos duros no asfalto, pisando em jornais
Olhos mortos em telas, buscando lugares para fugir
Amontoadas como poeira acumulada sobre os móveis
Tantas histórias expostas, rasgadas, desconhecidas
Tantas jornadas traçadas, repetidas, perdidas, imóveis
Sem privacidades não-compartilhadas, permitidas
Ela abre a janela para fumar um cigarro
E não consegue ver esperança no céu
Resta-lhe uma última tragada antes do escarro
Que deixa na boca o amargo gosto de fel
Estamos todos presos, somos 13 milhões de solitários
Pessoas fantoches, bem-sucedidos espantalhos
Em ternos caros e vestidos de grife
Embelezam o corpo. Já a alma: patife!
Não há paz na multidão vazia
Há beleza morta no sincero sorriso forçado
Há calor sufocante na noite fria
A voz cativante de quem permanece calado
Ela dança pisando em madeiras que cantam rangidos
Junto de gatos, lebres e Alice que surge a cada gole de tequila
Ela tosse, sem ar, sorvendo o mofo no ofegar gemido
Libera as lágrimas ácidas. O pranto que o seu rosto demaquila
Limpando a falsidade de uma máscara sem ternura
De uma menina-mulher desejada por pessoas sem face
Que pagam pelo prazer fictício de um amor sem rasura
Que prometem a lua e as estrelas enquanto o Sol nasce
Ela desperta do sonho quando toma pílulas para dormir
E se joga no pequeno sofá cor de vinho de Courvin rasgado
Que fere a pele sedosa como o concreto, e a faz sorrir
Dorme, acompanhada de todos na tela do celular ligado
E nos braços de Morfeu ela se aninha, protegida
Conta flores que nascem no asfalto e se acalma
E ela cria o seu mundo, sem medo. Há vida!
E ela sabe que não precisa esconder a sua alma
Estamos todos presos, somos 13 milhões de solitários
Pessoas fantoches, bem-sucedidos espantalhos
Em ternos caros e vestidos de grife
Embelezam o corpo. Já a alma: patife!
Eduardo Kasse, 17 de julho de 2021, segundo ano da pandemia, inspirado por uma citação em um stories do grande Esteban Tavares.