A ideia desse post surgiu após uma conversa via chat com a amiga e escritora Ana Lúcia Merege.
“E se nós fizéssemos um bate papo estilo pergunta-réplica-tréplica?” – falamos em determinado momento.
Então, bolamos o texto logo abaixo.
Mas, antes de continuar, vou apresentá-la do jeito que deve ser feito.
Ana Lúcia Merege (@anamerege) é carioca, bibliotecária e autora de livros de ficção fantástica, entre eles: O Castelo das Águias, Pão e Arte e O caçador, além de diversos contos e participações em antologias.
Para conhecer mais sobre a sua carreira e o seu trabalho, acesse o blog A estante mágica de Ana, pois sempre tem novidades por lá!
Agora vamos ao bate papo?
1) Como é ser uma escritora de literatura fantástica no Brasil?
Ana Merege: A Lit Fan costuma ser considerada um “gênero menor”, voltada para um nicho muito específico do mercado, para a qual os críticos que se levam muito a sério costumam torcer o nariz. Isso ainda é verdade, embora venha mudando nos últimos tempos – o grande divisor de águas, digam o que quiserem, foi a série Harry Potter, que despertou o interesse dos leitores e levou as editoras a apostarem no gênero, principalmente em sua vertente infantojuvenil.
Talvez por ter se originado de um grupo pequeno de pessoas que, mesmo separadas geograficamente, têm interesses em comum – o tal nicho de que falei – ou talvez por ter tido seu crescimento num momento em que as redes sociais conseguem congregar a todos, a maioria dos autores de Lit Fan acabam conhecendo uns aos outros, pelo menos de nome. Os eventos são poucos em nível nacional.
Vejo como nosso primeiro desafio a extrapolação desse nicho, o chamado “fandom”, para assim atingir o grande público, derrubando as barreiras entre a Lit Fan e o que se costuma chamar de “mainstream”. Porque, se você parar pra pensar, esses são rótulos que engessam e só atrapalham a difusão do trabalho. Literatura é literatura – para que um livro agrade aos leitores, seus personagens têm de ser convincentes, sua trama bem amarrada e sua escrita fluida. Sem isso, o fato de o cenário ser o Nordeste do Brasil ou a Terra Média não tem muita importância.
Eduardo Kasse: Harry Potter foi o abre-alas para os leitores mais jovens – e também para muitos adultos -, mas eu destaco O Senhor dos Anéis como uma obra que mudou a “vida” de muitas pessoas. E que hoje é um belo exemplo de crossmedia entre literatura, cinema, games e fan arts.
Também concordo plenamente que os rótulos podem atrapalhar bastante. Para mim, são mais importantes aspectos como qualidade do livro (texto, edição, capa etc.), interesse pelo tema e sintonia com o público. Esse negócio de “gênero menor” ou o que é ou não é mainstream é pouco relevante. E torço para o mercado e para os próprios autores amadurecerem esses conceitos.
2) Com quais olhos você vê o mercado literário nacional?
AM: Deixando de lado os rótulos – Lit Fan ou não Lit Fan – hoje um escritor tem mais chances de ser publicado do que há dez anos. Isso tem a ver com o surgimento de novas editoras e também com as novas modalidades de publicação, com tiragens menores, novas tecnologias, enfim, uma série de novas possibilidades.
Eu acho isso muito positivo, no geral, e sou otimista quanto ao futuro, mas reconheço que ainda temos muitos problemas. Preço dos livros (e não são os autores, nem sequer os editores que lucram com isso), dificuldades na distribuição, na divulgação, preconceito contra autores nacionais, descaso pelo livro e pela leitura. Aí vêm aquelas análises que todo mundo faz: que as editoras preferem traduzir quem faz sucesso lá fora do que publicar brasileiros, que brasileiro não gosta de ler etc. etc.
Parte disso pode até ser verdade, mas está mudando. Muitas editoras apostam em nós – a Draco é um exemplo – e temos de contribuir para que as coisas caminhem. Nossos problemas estão além do mercado, pura e simplesmente; eles têm mais a ver com a educação e a valorização da cultura literária, após os primeiros anos escolares, quando bem ou mal se faz algum trabalho nesse sentido. E nesse ponto a Lit Fan (voltando a falar especificamente nela) tem uma grande vantagem: é um gênero do qual os adolescentes costumam gostar e serve como “ponte” entre as leituras de escola e as da idade adulta. Vamos arregaçar as mangas e investir por aí.
EK: A democratização do livro, por meio de e-books e mesmo de tiragens menores foi excelente para abrir novos horizontes para os autores.
Por aqui, infelizmente, temos uma mentalidade de que tudo o que vem de fora é bom, sejam livros, filmes e mesmo profissionais! É um resquício do modelo de colonização que tivemos.
Entretanto, acho que o mercado está evoluindo – a conta gotas, mas está – as pessoas estão vendo os escritores nacionais com melhores olhos. As redes sociais têm sido ótimas aliadas.
Ainda precisamos quebrar algumas barreiras junto às livrarias, mas a partir do momento em que o público “procurar mais” os autores brasileiros, elas mudarão. Afinal, no mundo dos negócios ninguém quer perder dinheiro. Simples assim.
3) O que você acha que os autores precisam fazer para conquistar o seu espaço?
AM: Em primeiro lugar, é preciso ter consciência da realidade: em geral, só é amplamente valorizado, no sentido de reconhecimento pelo grande público, quem vende muito e aparece na mídia, e nem todos virão a ser assim independentemente de escreverem bem ou não. Então, não entre nisso para se tornar famoso ou ganhar dinheiro. Não se compare com o André Vianco ou a Thalita Rebouças. Você é quem você é, seja honesto ao escrever e aproveite as oportunidades que surgirem.
Em segundo lugar, reflita e veja que lugar a escrita ocupa em sua vida. É a sua verdadeira vocação, coisa que você não consegue deixar de fazer? Ou você gosta, mas faz por hobby, nas horas vagas? Quer publicar uma coisa ou outra que acha legal ou quer construir uma carreira de verdade?
Se for esse o caso, então não há outra receita a não ser trabalho sério, contínuo, que envolve pesquisa, método, disciplina e investimento do tempo que seria provavelmente gasto com lazer, amigos e família, pois nem todos podem prescindir de um emprego ou free-lancers que funcionam como um. É bom também manter uma rede de contatos, participar de eventos, contribuir para debates e questionamentos em torno do livro e da leitura. Acreditar no que faz, mas estar disposto a ouvir uma crítica e trabalhar em cima do que já parecia perfeito. Se o reconhecimento vier, ótimo, é o que se espera e trabalhamos para isso. Se não, como dizia o Henfil, valeu a intenção da semente.
EK: Identidade, paixão e trabalho duro. É nisso que baseio o meu trabalho. Escrever para mim é uma profissão, é a segunda vertente da minha carreira. Ainda não consigo sobreviver dela, mas penso nisso como um investimento de longo prazo.
Por isso, trato o assunto livro com tanta seriedade. Veja: muitos “aspirantes a escritores” veem como indicativo de sucesso somente ser um blockbuster. E não discordo! Desde que esse livro tenha qualidade!
É justo ganhar dinheiro com um trabalho bem feito!
Mas…
Quantos livros estão nos TOP 10 mais vendidos e são ruins, mal escritos, editados simploriamente?
Para mim, mais vale a prosperidade como escritor do que um sucesso vazio. E isso não é falso moralismo!
Acredito que uma carreira precisa de bases sólidas, pois a grana de 15 minutos de fama não dura para sempre! Ou dura? Rsrsrsrs
Escrever para mim é descoberta, é realização, é um momento de prazer e de dor, de alegria e tristeza. Escrever é me sentir vivo. E se não fosse assim, eu estaria fazendo qualquer outra coisa!
Enfim, esse foi o nosso bate papo! Espero que tenha gostado! Mas, antes de fechar a conta, a Ana respondeu mais duas perguntas:
O que podemos esperar de Ana Lúcia Merege para esse ano?
O principal trabalho que sairá em 2013 é o segundo livro da série iniciada por “O Castelo das Águias”, publicada pela Editora Draco. Também virão à luz três antologias co-organizadas por mim: “Bestiário 2”, da Ornitorrinco, “Excalibur” e “Meu Amor é um Sobrevivente”, ambas da Draco. Tenho outros projetos, mas só vou pensar neles depois que entregar o romance, que é meu principal compromisso.
E para terminar, para você escrever é:
Uma série de coisas. Envolvimento, compromisso, paixão. Uma arte que aprendi a ver como um ofício, do qual, com muita honra, serei eternamente aprendiz.
É isso, aí!
E convido-o(a) a compartilhar suas opiniões, experiências e ideias nos comentários logo abaixo.
Até mais!