O nobilíssimo José Roberto Vieira me enviou um e-mail com o texto a seguir sobre o meu post Quando é hora de se desapegar. Vale a pena investir uns minutos na leitura.
Vamos lá:
Andei lendo o blog do Eduardo Kasse nos últimos dias e o artigo dele sobre desapegar do texto me chamou bastante a atenção. Sabe, é difícil para um escritor iniciante cortar partes de seu texto, tudo parece tão certo, tão bonito, tão perfeito. Nos consideramos, praticamente, os Messias da Literatura.
Estamos enganados, caras e minas. MUITO enganados.
Vejo muito escritor por aí dizendo que não permitiria que o editor ou os leitores beta cortassem parte de seus textos. Dá para afirmar, depois de quase dez anos de mercado, que quase todos o fazem por motivos egoístas, por se acharem bons demais para serem editados.
Machuca ouvir isso, eu sei, mas seu texto não é o próximo Tolkien, muito menos o próximo Martin. Muito menos o próximo Harry Potter. É isso aí, o jogo é esse.
Qual o ponto então, do desapego? Ele te faz evoluir, caro leitor. Saber cortar partes de seu texto, apagar palavras, frases, parágrafos, páginas ou capítulos faz parte do processo de escrita. Às vezes você realmente cria algo genial, mas não se encaixa no seu texto naquele momento específico, entende? Você cria um jogo de palavras, baseando-se em técnicas medievais (no bom sentido), usando leixa-pren ou hipérboles e…. e…nada!
Eu tive essa experiência na criação de O Baronato de Shoah – a Canção do Silêncio. Criei o primeiro capítulo usando dialogismo, polifonia e intertextualidade. Fiz um monstrinho hermético que só um aluno de Letras conseguiria entender: havia pedaços de I-juca-pirama misturados com a Odisséia e umas pitadas de 300 de Esparta.
A ideia original era ser um começo dramático, criar um mistério raso sobre um dos principais personagens do livro, cercá-lo de profecias e de jogos poéticos para prender a atenção do leitor.
O que virou? Uma maçaroca literária com pouca efetividade textual. Depois das leituras beta e de críticas severas eu mudei o texto para algo mais direto, uma descrição bem objetiva do que realmente acontecia: a imperatriz paria seu filho enquanto as mães dos protagonistas de O Baronato de Shoah tentavam salvar sua vida e a do bebê.
Pronto, era isso! um começo simples, com descrições rápidas de várias mulheres em uma sala ao redor de sua imperetriz. A única parcela de hermetismo era a citação rápida dos nomes dessas mulheres para que, no futuro, o leitor entendesse a ligação delas com o ser chamado Namid.
Funcionou muito bem, fez o texto fluir e lá no meio do livro ficou muito mais fácil para o leitor checar as referências e as ligações entre a imperatriz e as mães da Canção do Silêncio.
Para concluir: cortem, senhoras e senhores! cortem o que lhes desagrada, cortem o que agrada, cortem o que está perfeito, cortem o que funciona e escrevam bobeira no lugar (para depois procurarem desesperados o arquivo antigo).
Seus textos são seus filhos, mas são os filhos rebeldes nos quais devemos aplicar castigos mais severos e lições mais duras.
Cuidem-se!