Alliah é escritora e artista visual desde que se entende por gente. Antes disso era uma fumaça de mofo azul que costumava bater papo com Tezcatlipoca e Quetzalcóatl no avesso do infinito. Tem 22 anos terrestres, mas não acredita na existência do tempo. Frequentou três cursos diferentes na universidade e não completou nenhum. Mas tem na cabeça e no fígado uma sequência única e extraordinária de eventos resultante desse caminho errático. Publica profissionalmente desde 2009. É autora do Metanfetaedro, um livro estranho com ilustrações estranhas. Também publicou outras esquisitisses pelas editoras Tarja, Draco, Estronho e Oito e Meio. Desenha, rabisca, pinta, cola, recorta, apaga, rasga, retoca, refaz. Não sabe andar de bicicleta e tem medo de borboletas.
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1) Como você se definiria: uma escritora e artista visual ou uma artista visual e escritora? Ou depende do momento?
Alliah. É impossível colocar pesos diferentes nos dois. Em minhas memórias mais antigas eu faço ambos num rabisco só. Um livrinho ilustrado de pano sobre o Pooh. Um teatrinho de desenhos colados em palitos sobre o Godzilla. Incontáveis histórias sobre dinossauros. (Eu sabia mais nomes científicos naquela época do que sei hoje). Uma pintura de um personagem do jogo Hexen na parede do meu quarto (que eu fui obrigada a limpar com água e sabão) e outra na porta do quarto (que tá aqui até hoje). Um livro inacabado de aventuras geológicas influenciado por minhas leituras pré-adolescentes de Júlio Verne, escrito a mão e ilustrado com lápis de cor. Uma escultura de um crânio de tiranossauro num quadro de cortiça.
Eu sou esse emaranhado inescapável.
Eduardo Kasse. A pluralidade me fascina e tento vivenciar isso a cada dia. Não sei pintar – talvez meus borrões possam ser considerados arte de vanguarda, rs –, tocar ou esculpir, mas sei escrever, cozinho bem (e sem usar receitas) – pelo menos a minha esposa adora – e experimento o dia a dia com os meus cães da forma mais orgânica que consigo.
Ou seja, fazer diferente, resetar o cérebro e captar o novo é muito importante. E boa parte da criatividade vem disso, da nossa capacidade de ir além. Já fui muito bitolado em determinadas tarefas e essa fase da minha vida foi de vácuo criativo. Mas serviu como lição e hoje invisto nas curvas, não somente na linha reta. Que é, aliás, uma ilusão ou uma zona de conforto mental que criamos para tentar deixar a nossa vida menos “arriscada”.
2) Como essas duas vertentes da sua carreira se mesclam?
Alliah. Acho que acabei respondendo um pouco dessa pergunta na resposta anterior. Mas falando do que faço hoje em dia, profissionalmente, eu notei algo curioso pouco tempo atrás. Antes eu não tinha preocupações. Era um cotoco de gente rabiscando minha vida por aí. Não havia fronteiras. Não havia apego. Eu pintava um painel de metros de comprimento, sorria com o resultado, deixava na parede por um tempo e jogava fora. Depois que passei de determinada idade – tenho 22 anos agora – o fazer artístico ganhou um pseudópodo incômodo de precisar fazer e acumular dinheiro. Acabei me limitando demais por culpa disso. Nessa de colocar o pé no chão, eu dei uma afundada no cimento. E essas minhas duas vertentes começaram a se estranhar uma com a outra. Provável que essa seja uma crise perceptível só pra mim. Mas estou cuidando de estripar isso. Estou voltando a criar em escala astronômica. E a não ter medo de jogar fora. Destruir também é ato criativo.
Quando penso nisso, gosto de pensar no ouro. O ouro é um elemento raro no universo. Ele nasce de uma erupção de raios gama (o mais energético no espectro eletromagnético), resultado da colisão de duas estrelas de nêutrons. Mas pode ser dissolvido por algo tão banal quanto aqua regia, uma mistura de ácido nítrico e ácido clorídrico.
Eu acho isso lindo.
EK. É isso, mesmo! Há fases da nossa vida, seja por influências externas, por visões diáfanas da realidade, ou mesmo pela falta de aceitação própria em que nos afundamos em conceitos ou pseudoverdade perniciosas.
Mas como eu disse, precisamos passar por isso para evoluir. Como se precaver do choque se nunca enfiamos o dedo na tomada? O importante é não perdemos a nossa essência e identidade. Nascemos e morremos sozinhos e só nós podemos direcionar a nossa vida, encontrar motivações e objetivos.
Grana é importante? Sem dúvida! Contudo, ela deve vir de forma natural. Se custar o nosso bem-estar e criar rasgos na nossa alma é hora de rever as nossas prioridades e tentar reencontrar o centro de equilíbrio. É difícil, é doloroso, mas é extremamente necessário. Pelo menos para mim.
Alliah. É instinto. Não tenho motivos pra comer e dormir, eu preciso comer e dormir. E criar.
EK. 22 anos e já com essa sensibilidade! Não há nada para comentar. Só acrescentar: criar é apresentar um pouco da nossa essência ao mundo. Faço o que acredito, faço porque acredito. Não penso nos leitores como um fim, mas sim como confidentes que vão conhecer algo mais de mim por meio das palavras, gostem ou não, concordem ou repudiem. Não importa, sou eu ali no papel ou na tela, e como na “vida real”, podemos causar sentimentos diversos. Devemos, aliás.
E essa é a beleza da arte: não ter padrões. E conseguir instigar ao mesmo tempo a racionalidade e as emoções.
A arte é liberdade ou cárcere. Depende dos momentos, dos sorrisos ou das lágrimas que se misturam. É ir além da técnica e flutuar sabe-se lá por onde, sabe-se lá por quanto tempo em um mundo dinâmico, colorido ou cinzento, escancarado ou velado.
E são nessas incertezas que nos encontramos, não é?
Meus amigos exatos do tempo de faculdade já estariam ligando para algum sanatório depois de ler isso! Hahahahaha
Enfim, esse foi o nosso bate-papo! Espero que tenha gostado! Mas, antes de fechar a conta, a Alliah respondeu a mais duas perguntas:
4) O que podemos esperar de Alliah para esse ano?
Bem, vocês podem esperar uma pá de coisa boa. Tenho participação em algumas antologias que estão pra sair. A Retrofuturismo, da Tarja, acabou de ser lançada. É um projeto ambicioso, que reúne várias vertentes do punk em ordem cronológica. Eu tô no livro com um conto stonepunk chamado Imaginística. Nas antologias que ainda vão sair eu tenho contos na Dystopia, do selo Taberna, e na Depois do Fim, da Draco. Ainda na Draco tem a Erótica Fantástica II, que eu não sei quando vai sair. Minha história lá é a mais pornográfica que eu já escrevi até agora. Mas podem deixar que eu já estou trabalhando em outras pornografias por aqui.
Falando em projetos pessoais, tenho uma série de surpresas que não quero revelar antes do tempo. Alguns vão ao ar esse ano ainda e outros só ano que vem.
E, sim, é pra matar meus fãs de curiosidade.
5) E para terminar, para você escrever é:
Estar nua. Com um crânio de veado na cabeça e uma serpente emplumada nos ombros.