Formou-se em Engenharia de Produção na Politécnica da USP, mas seu primeiro emprego foi como analista de investimentos em um grande banco. Saiu para trabalhar na prefeitura de São Paulo, durante a gestão de Luiza Erundina, como assessor econômico-financeiro da Secretaria da Educação, primeiro com Paulo Freire e depois com Mário Sérgio Cortella. Voltou depois ao setor financeiro, trabalhando numa empresa de consultoria financeira até 2000, quando pediu demissão para trabalhar com jornalismo, na IstoÉ, por um ano, depois na CartaCapital, onde está até hoje.
Seus primeiros textos de ficção, depois de experiências juvenis que não tiveram continuidade, foram escritos também por volta de 2000: uma série de aventuras de super-heróis escrita para os seus filhos e um artigo de história alternativa escrito para a CartaCapital, que foi a origem da série do “Brasil dos Outros 500”.
Ao mesmo tempo, começou a se interessar pelo cenário brasileiro de literatura especulativa a partir de uma resenha do livro do Roberto Causo, “Ficção Cientifica, Fantasia e Horror No Brasil”. Enquanto começava a resenhar obras do gênero e interagir com outros escritores nas redes sociais, desenvolveu seus próprios cenários de fantasia (“Atlântida”), ficção científica (“Solidariedade Galáctica”) e história alternativa (“Brasil dos Outros 500”), além de contos independentes.
Seus trabalhos vieram a público pela primeira vez em 2009 com o conto “Flor do Estrume” na antologia Steampunk da Tarja Editorial e logo em seguida com a coletânea “Eclipse ao pôr do sol”, de 2010 e o romance “Crônicas de Atlântida” de 2011. Até agora, publicou um romance, uma coletânea de seis contos pela Draco, cinco contos em antologias da Draco que saíram também como e-books independentes na coleção “Contos do Dragão”, cinco contos publicados só na “Contos do Dragão” e dois contos publicados em antologias da Tarja Editorial.
1) Nas suas obras, a história e a fantasia andam de mãos dadas. Como você busca equilibrar os “fatos” com a imaginação?
Antonio Luiz M. C. Costa. Depende. Em contos de fantasia histórica, como é o caso da maioria daqueles do meu primeiro livro, “Eclipse ao pôr do sol”, acho fundamental respeitar a verdade histórica, tal como o autor a conhece e interpreta, por mais fantasioso que seja o elemento especulativo que se queira acrescentar a ela. Se eu quero que meu conto faça surgir uma ninfa no Portugal do século XVI ou o Horla na Santos do século XIX, minha descrição do lugar, da época e de sua mentalidade devem ser compatíveis com essa realidade. Não é só uma questão de educar a si mesmo e ao leitor sobre o mundo real: para mim, quando se falseia a história por ignorância ou para fazer o texto parecer mais fácil se perde metade da graça, do interesse e dos questionamentos que a história poderia instigar. Para mim, o interesse de escrever fantasia está em evitar o banal e mostrar como a realidade poderia ser outra. Um bom começo para isso é lembrar que ela já foi de fato muito diferente e isso se perde quando o autor não sabe o quanto as pessoas e as coisas mudaram e pensa que um rei ou cavaleiro medieval pensavam e viviam como ele mesmo, apesar de usarem espadas e roupas engraçadas.
Já num romance de alta fantasia, como é o caso de “Crônicas de Atlântida”, obviamente não há fatos propriamente ditos. Os mitos e especulações sobre Atlântida são tantos e tão variados que se poderia inventar praticamente o que se quisesse. Nesse caso, o que se tem que equilibrar com a imaginação não é o fato, mas as hipóteses e as regras que se decidiu adotar ao construir esse cenário. Se eu decidi que os costumes de um povo são assim e assado, os personagens devem segui-los ou terem razões fortes para desafiá-los. Se a cidade tem tal tamanho, os personagens devem levar tanto tempo para atravessá-la. Se a magia funciona, isso não é desculpa para um “vale tudo”. Suas possibilidades e limitações consistentes de modo que um personagem não deixe de usar magia da qual sabe ser capaz, nem subitamente faça o que antes lhe era impossível. O conhecimento da história real, nesse caso, serve principalmente para enriquecer o repertório da imaginação de fantasia. Assim, na construção desse cenário “atlante”, usei elementos de culturas asiáticas, africanas e indígenas para ampliar os horizontes do leitor para além dos seus próprios valores e referências e dos estereótipos da Idade Média europeia, ao mesmo tempo que incluí elementos que não pertencem a nenhuma cultura real – por exemplo, um grau de igualdade de gêneros e liberdade sexual superior a qualquer cultura antiga conhecida.
Fora do campo da fantasia, gostaria de falar também de outros gêneros que também gosto de abordar. Do ponto de vista da relação entre imaginação e realidade, a história alternativa, um steampunk, dieselpunk e assim por diante, está no meio do caminho entre fantasia histórica e alta fantasia. Parte de uma situação histórica real, mas a mistura com traços de outras épocas e introduz anacronismos e ironias conscientes, sem deixar de manter a coerência interna e a compatibilidade com os pontos de partida. A graça, para mim, está em levar o jogo do diálogo entre o presente e o passado tão longe quanto for possível sem quebrar suas regras.
Quanto à space opera, para mim é uma “alta ficção científica” no sentido de levar a especulação ao extremo, mas tem de se distinguir da alta fantasia pelo espírito científico. Considero indispensável saber o que se passa no campo da ciência e se aprofundar nos questionamentos do presente sobre o futuro antes de se meter a fazer ficção científica. Não basta imitar o que foi feito há cinquenta anos na literatura ou em séries de tevê. Esse gênero não é fantasia medieval com espadas de plasma no lugar do aço, nem histórias de guerra e espionagem da Guerra Fria com espaçonaves no lugar de navios de guerra, é uma exploração das possibilidades do futuro a partir dos problemas do presente. E o nosso presente não é o dos anos 1950 ou 1960, nos quais muitos leitores e autores brasileiros de ficção científica parecem ter permanecido. Impressiona-me como ainda tem quem descreva o interior de naves e estações espaciais do futuro com tecnologia mais atrasada do que aquela existe na própria casa ou escritório – para não falar de relações familiares e sociais que são clichês de gerações passadas.
Isso não significa fazer uma ficção científica “hard”, totalmente baseada na ciência que conhecemos hoje, mas ter uma atitude questionadora e iluminista em relação ao desenvolvimento da sociedade, à busca do conhecimento e ao uso da tecnologia. Se sabemos que o mundo, a sociedade e as ideias mudaram muito nos últimos mil anos, deveríamos supor que mudarão outro tanto ou ainda mais nos próximos mil. Quem não quer explorar a mudança e da diferença não deveria tentar escrever ficção científica.
Eduardo Kasse. Achei interessante essa postura de ponderação entre trabalhar a história e criar os seus próprios caminhos. Tanto a literatura fantástica quanto a FC nos trazem muitas possibilidades, mas é importante sempre manter a coerência da “visão” escolhida, a fim de manter a estética, tanto dos ambientes quanto das personagens.
Escrever é criar, mas não é porque somos donos da nossa história que podemos fazer tudo o que “dá na telha”. Até podemos, mas será que ficará interessante para os leitores? E, para mim, esse é o valor da arte: inventar, inovar e transcrever sem se perder nas nossas próprias ilusões.
2) O que você prefere escrever: contos ou romances?
ALMCC. Como escritor de tempo parcial, que não tem como viver de direitos autorais, sou obrigado a preferir os contos. Escrever um romance a sério, com um resultado que me pareça minimamente satisfatório, é um investimento de um ano ou mais, sem garantia de publicação. Se esta chega a acontecer, é um processo de mais outro tanto de tempo e o retorno, tanto em direitos autorais quanto em comentários, é muito pequeno. Já um conto bem razoável pode ser escrito em semanas, às vezes até num só fim de semana inspirado. Do ponto de vista da realização pessoal, uma série de contos bem feitos, para mim, vale tanto quanto um romance. E se acaso não der certo, você não tem a sensação de ter desperdiçado suas horas de lazer a troco de nada durante anos. Escrever, até certo ponto, é compensador em si mesmo, mas ter um retorno é mais de metade da realização.
Poderia ser diferente numa realidade alternativa na qual eu pudesse ser um escritor profissional, tivesse o tempo livre para me concentrar em uma obra de ficção de maior porte e recebesse adiantamento para publicar um romance, mesmo com a obrigação de terminá-lo dentro de um determinado prazo. Mas para a ficção especulativa brasileira, isso ainda soa como uma utopia.
EK. Somos profissionais por causa da alma não dos cifrões! A literatura no Brasil ainda precisa percorrer uma longa jornada para evoluir nesse sentido, mas fazer o quê? Quando a mente e os dedos ficam afoitos, não adianta: precisamos escrever! Assim, ser escritor é ao mesmo tempo uma dádiva e uma maldição…
3) Ser um crítico literário e um leitor-beta o deixa mais exigente com os seus próprios textos?
ALMCC. Às vezes, quando se trata de resenhas críticas. Raramente, quando se trata de leituras-beta. É só ao ler bons autores, que produzem um texto melhor que o seu em algum aspecto importante, que alguém pode tomar vergonha na cara e se sentir desafiado a tentar fazer melhor, ter ideias mais originais e progredir como escritor. Infelizmente, isso é muito raro quando se lê autores iniciantes. E ser exposto a uma maioria de textos ruins, pelo contrário, nos faz baixar a guarda e o padrão e considerar que qualquer coisa razoável já é boa o suficiente. Fazer leitura crítica raramente é compensador quando não se faz isso por dinheiro. Só mesmo nas raras ocasiões em que se descobre alguém com talento suficiente para merecer a leitura.
EK. Ler é aprender. E afirmo: de qualquer texto podemos tirar lições, sejam essas positivas ou mesmo indicações daquilo que nunca devemos fazer!
Enfim, esse foi o nosso bate-papo! Espero que tenha gostado! Mas, antes de fechar a conta, o Antonio respondeu mais duas perguntas:
4) O que podemos esperar de Antonio Luiz M. C. Costa para esse ano?
Há pelo menos três contos aprovados pelos editores para ser publicados em antologias já fechadas: Super-Heróis e Brasil Fantástico da Editora Draco e Mitos Modernos da Llyr Editorial, mais um pendente de seleção e espero por novas propostas de coletâneas, que estão fazendo falta neste primeiro semestre.
Tenho também dois livros de não ficção prontos para sair pela Draco, um guia sobre armas brancas e outro sobre títulos e hierarquias, que abrangem não só a Idade Média europeia, como também civilizações antigas de outros continentes e a Idade Moderna. Foram pensados principalmente para leitores e escritores de fantasia interessados em conhecer mais ou escrever melhor sobre esses aspectos, mas acredito que possa interessar também à curiosidade de quem quer ampliar sua cultura geral.
Fora isso, tem dois romances que vão avançando lentamente, na medida em que sobra tempo de contos e outros trabalhos de retorno mais rápido, um sobre o “Brasil dos Outros 500” em sua fase steampunk e outro que é uma continuação de “Crônicas de Atlântida”, mas não creio que nenhum deles esteja pronto este ano.
5) E para terminar, para você escrever é:
É enriquecer o imaginário e abrir o pensamento e o sentimento, meus e do leitor, a novas possibilidades e questionamentos, mostrar que existem ou poderiam existir outras experiências além daquelas que viveu. Para escrever, é importante conhecer a realidade, presente ou passada, não para se prender a ela, mas para ultrapassá-la. O mundo é muito mais rico e as pessoas e ideias muito mais variadas do que geralmente se pensa. Quem não se dá ao trabalho de explorá-lo porque pensa que lhe interessa só a fantasia está, na realidade, se prendendo apenas um repertório restrito e pobre de clichês do cinema e de best-sellers, nada mais do que um pacote de ideias fast-food, apropriadas para serem vendidas em massa por grandes produtoras e editoras.