Comecei a escrever ficção científica entre 1989 e 1990, estimulado pelo lançamento da Isaac Asimov Magazine no Brasil. Eu sabia, desde a adolescência, que queria ser escritor, e o que me levou à ficção científica e à fantasia não foi, como imagino que seja o caso de muita gente, uma paixão inata pelo gênero, mas o fato de eu ver que havia um espaço para esse tipo de produção se abrindo, com a revista e os fanzines de datilografados e xerocados da época.
Comecei a escrever ficção de gênero com uma pegada mais voltada para o terror, tentando emular o efeito da “weird fiction” dos tempos de Edgar Allan Poe e, depois, de HP Lovecraft, onde terror, fantasia e ficção científica meio que se mesclavam sem uma distinção clara entre cada linguagem. Em 1996 saiu meu primeiro livro, “Medo Mistério e Morte“, e dez anos depois veio “Tempos de Fúria”, seguido meio que de perto por “Guerra Justa” e “Nômade“, meus romances em papel.
Nesse período todo de quase 20 anos eu me desloquei cada vez mais em direção à ficção científica “hard”, mas agora creio que estou tendo uma recaída na fantasia. Vamos ver como a coisa segue evoluindo…
Blog – http://carlosorsi.blogspot.com.br/
1) Vivemos um “descobrimento” da literatura de FC&F no Brasil. O que você vê de evolução em relação ao seu início como escritor?
Carlos Orsi. Hoje em dia, sem dúvida, as oportunidades de publicar, de ler e ser lido, são muito maiores do que eram no “meu tempo”, para usar uma expressão batida. O acesso à produção internacional também é muito mais fácil, tanto pelas traduções publicadas aqui quanto pela facilidade de se adquirir o material na língua original.
A internet permite uma interação muito maior entre autores, editores e leitores, e a formação de parcerias — o conto que escrevi em conjunto com Octavio Aragão para o mercado americano, por exemplo, seria impensável sem a web, que primeiro nos pôs em contato com o editor lá fora e, depois, permitiu que trocássemos notas e ideias em tempo real, online.
Eduardo Kasse. Uns bradam que o “mundo virtual” acabou com as relações humanas. Eu já vejo esse cenário como uma possibilidade de alcançar mais pessoas, trazê-las para mais “perto”.
A internet e as redes sociais são excelentes ferramentas que proporcionam acesso à informação e a possibilidade de interação. Agora o bom ou mau uso depende exclusivamente de cada um.
Um exemplo: sem a internet e a possibilidade de consultar bibliotecas internacionais, mapas e mesmo fazer uma imersão em músicas, vídeos e diversas artes seria muito mais difícil ter escrito O Andarilho das Sombras com o detalhamento histórico que trabalhei.
Enfim, vivemos um momento muito interessante, basta sabermos aproveitá-lo.
2) O que você espera do mercado literário nacional?
CO.Em termos de “descobrimento” dos gêneros pelo mercado, eu diria que há uma explosão de interesse focada em “Guerra dos Tronos”, mas no passado já houve outras explosões, por exemplo, em torno de Anne Rice ou, mais para o passado ainda, em torno de Arthur C. Clarke. Nenhuma dessas “ondas” se sustentou, no entanto. A história do interesse do público brasileiro pelos gêneros fantásticos me parece ser uma ciclagem entre breves “Eras de Ouro” separadas por “Idades das Trevas” mais ou menos longas. Espero viver para ver esse ciclo quebrado, com o estabelecimento de um mercado estável, mas ainda estou esperando para ver se é o que finalmente temos agora.
O que eu realmente desejo — espero — do mercado é sustentabilidade: é poder usar meu tempo para pesquisar e escrever sem me sentir culpado por estar roubando recursos do sustento da minha família. Cheguei a um ponto em que escrever por hobby não me satisfaz lá muito mais (não gosto do que acabo produzindo de forma descompromissada), e escrever profissionalmente ainda não vale a pena. Os arroubos de “necessidade de expressão” vão se tornando cada vez mais raros, ou acabo conseguindo canalizá-los de forma mais rápida e eficaz pelo blog.
EK. É uma constatação triste, mas verdadeira. Viver de literatura no Brasil é quase utópico. E várias vezes quando digo que sou escritor, muitas pessoas veem somente como hobby. Eu encaro a literatura como a segunda vertente da minha carreira, que me dá prazer, mas não paga as contas.
Acredito que isso vai mudar, que o mercado vai evoluir e que toda a cadeia produtiva do livro poderá ter remuneração adequada. E espero fazer parte dessa quebra de paradigma.
3) A ciência, a tecnologia e o universo são presença VIP nas suas obras, sempre permeadas com toques de religião e crenças. Por que você escolheu escrever sobre esses, digamos, antagonismos?
CO. Eu tenho certa obsessão pessoal com a questão da verdade. Há uma frase de Voltaire que para mim define a relação entre ciência e religião — não só religião, mas também ideologias totalizantes, que se propõem a explicar tudo de uma penada só, como as versões mais populares do marxismo ou do liberalismo:
Quem faz você acreditar em bobagens pode fazer você cometer atrocidades.
Então, a melhor forma de evitar atrocidades é evitar bobagens, e embora não exista um método perfeito e seguro para conseguir isso, o que eu chamaria de postura científica — que é, basicamente, a aplicação da dúvida sistemática, o balizamento de teorias por fatos, a valorização da informação sobre a retórica, a permanente abertura para a correção e a revisão — é a menos pior, com todos os defeitos que possa ter, e sei que são muitos.
Eu gosto de construir cenários em que essa postura se compara a outras, baseadas em tradição, na retórica de um líder, na autoridade de autores mortos, e que me parecem as principais fontes de bobagens e, por consequência, de atrocidades do mundo.
EK. Identidade e postura para mim são dois pilares essenciais para os escritores. E vejo que seus textos buscam a coesão com o que você acredita, experimenta e vê.
Acho interessante essa postura em um mundo mais interessado em seguir fórmulas de sucesso e de criar apenas para “cair no gosto do público”. Sinto lhe dizer que manter nossas convicções é o caminho mais árduo e que, talvez, não traga os retornos esperados, mas saiba: vale muito a pena.
Enfim, esse foi o nosso bate-papo! Espero que tenha gostado! Mas, antes de fechar a conta, o Carlos respondeu mais duas perguntas:
4) O que podemos esperar de Carlos Orsi para esse ano?
Tenho três livros no forno com a Draco — duas coletâneas de contos e uma novela de fantasia — além de um livro de não ficção, sobre filosofia e física quântica, que escrevi em parceria com um físico, o Daniel Bezerra, que está sendo lançado agora pela LeYa.
5) E para terminar, para você escrever é:
É o que faço. Ficção ou não-ficção, jornalismo ou ensaio, conto ou romance. É o que tenho a oferecer.