Eduardo Kasse, muito prazer!
Escritor e roteirista
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Uma conversa com Cirilo S. Lemos

Um bate-papo nada alienado com esse expoente da literatura nacional.

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Cirilo, por Fernando SalvaterraCirilo S. Lemos (@cirilosl) é de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, e por incrível que pareça, está vivo. É professor, o que significa que tem um nível de stress parecido com o de um soldado desembarcando na Normandia. Passa a maior parte de seu tempo pensando em formas de não escrever nada e ainda manter a consciência tranquila, dormindo quando devia estar acordado e acordado quando devia estar dormindo, enquanto tenta criar dois meninos com o Método Jango Fett para Festas de Aniversário Imaginárias (um livro interessante e que ele recomenda). Há quem diga que não é uma pessoa real, mas uma espécie de rotina cibernética independente, o que ele não faz ideia do que seja realmente, mas soa legal. Gosta de realidades seguras, sonhos absurdos e livros pop-up. Sua frase favorita é “moro longe, gente, e vou estar ocupado nesse dia”.

É autor do romance O Alienado [Ed. Draco] e de um punhado de outras histórias, além de candidato a vereador de um corvo-município.

Vamos lá!

1) Como surgiu a ideia do livro O Alienado?

Cirilo S. Lemos. Tem a ver com meu zeitgeist particular. Muita coisa estava mudando muito rápido para na minha vida. Sabe, eu estava caminhando por lugares iluminados demais em um momento e obscuros demais em outro, tinha um bebê chegando, meus amigos se afastando para cuidar dos próprios assuntos, tudo muito assustador, principalmente porque sou um chato que odeia surpresas. Tinha também um pouco dos estertores daquele mar de lama adolescente que ainda está nas nossas roupas quando a gente tem 23, 24 anos, então era um bocado dramático. Estava intimidado, sentindo um pouco do peso da realidade. Eu pensava: o mundo é uma droga.

Coincidentemente, ou talvez não, eu estava me cercando de obras que discutem um pouco dessa coisa de absurdo da existência, tipo Albert Camus, Kafka, Invisíveis, THX 1138, Admirável Mundo Novo. E Matrix tinha encerrado sua trilogia pouco antes. Acho que a ideia meio que foi fermentando a partir daí. Lembro que eu estava rabiscando umas notas para uma história envolvendo Marte na loja onde trabalhava. Um cliente me encheu o saco. Quando ele foi embora, escrevi todo o roteiro do que viria a ser O Alienado em vinte minutos, num estalo. Mas o livro exigiu ser outra coisa.

Eduardo Kasse. É interessante como o cotidiano, a rotina e as experiências podem moldar um livro. Para um autor, viver se confunde com o escrever e o escrever se confunde com o viver. E, se assim pensarmos, todos nós, de certa forma, somos alienados, não é?

2) Além das influências claras de livros como 1984Laranja Mecânica e muitos outros da clássica filosofia greco-romana, quais outras obras serviram de inspiração no seu processo criativo?

o alienado de Cirilo S. Lemos - Editora DracoCSL. Acho que tudo me influencia. Tudo mesmo. Até comerciais de TV. Música, nem se fala. Como o livro me consumiu uns bons anos, então eu li, vi e ouvi centenas de coisas sem conexões umas com as outras. Segui a vida, entende? A uma certa altura, deixei de pensar “vou ler isso pelo livro”. Simplesmente me divertia. Comecei a extrair referências que vinham de lugares meio inesperados, nem sempre de forma consciente. Tipo Hellblazer, ou O Grito, aquele quadro feio do Munch. Essas coisas se misturam sem controle, e você direciona isso intuitivamente para onde está levando sua história.

Pela temática, A Metamorfose e O Processo foram importantes; Elektra Assassina e Arma X do Barry Windsor-Smith também. Pearl Jam, como todo mundo já deve estar de saco cheio de me ouvir falar, ajudava-me com o estado de espírito. E filmes como Teoria da Conspiração e Inimigo do Estado que, bons ou não, ajudaram-me a definir a paranoia dos Metafilósofos. Mas um escritor, acredito, não pode se fiar apenas nas referências temáticas, e assim eu tinha também minhas referências estéticas, como meu favorito Moacyr Scliar, Juan Marsé e o romance estranho de Alan Moore, A Voz do Fogo. Espero não ter desonrado nenhum desses caras.

EK. Eu sempre digo que há diversas ideias pairando por aí e quando estamos na sintonia certa, conseguimos captá-las. O que gosto no mundo da criação e da criatividade é isso: a liberdade de produzir tendo como base qualquer coisa!

Há uns anos, criei até uma poesia para um controle remoto, mas essa é outra história.

3) A nossa sociedade é alienada?

CSL. Somos herdeiros de uma tradição diferente dos Estados Unidos. Não derrubamos reis absolutistas no passado, não iniciamos revoluções por igualdade e cidadania. Tudo aqui meio que se ajeita, se assenta. Isso no sentido de participação política. A meu ver, uma educação de melhor qualidade ajudaria a corrigir esse marasmo, o que talvez explique esse descaso todo. Mas não sou ingênuo e deixar a conta toda da nossa alienação só aí. A modernidade suga a maioria das nossas forças, estamos muito ocupados com o trabalho, filhos, namorada(o), faculdade, viagens, trocar de carro, dívidas, cartão de crédito, igreja, balada, futebol, escrever nosso romance, ver a novela, reclamar no Omelete de filmes que nem saíram ainda, Star Wars. A gente vai deixando a vida levar, como diz o Zeca Pagodinho. Mas a gente precisa ficar de olho. E tem gente que fica. Por isso não acho justo generalizar a alienação. Tem gente se debatendo contra ela por aí.

EK. O maior problema é quando a gente deixa de viver para apenas sobreviver. E isso não faz distinção de classe social, religião, visão política, etc.

E o mais triste é que muitos têm se aproveitado dessa alienação coletiva. Empresas, governos, pessoas sabem quão fácil é manipular informações e multidões. É o efeito boiada… Mas, enfim, cabe a nós sempre tentarmos buscar diversas visões sobre o mesmo assunto, para talvez, conseguir um retalho da verdade.

Enfim, esse foi o nosso bate-papo! Espero que tenha gostado! Mas, antes de fechar a conta, o Cirilo respondeu mais duas perguntas:

4) O que podemos esperar de Cirilo S. Lemos para esse ano?

Estou agora me afogando desesperadamente no romance novo, Matadores Mortos. É uma história de vingança com ecos de Antígona numa Baixada Fluminense alternativa. Tem uns toques de faroeste, dieselpunk, corpos fechados, paranormalidade e guerra de quadrilhas. Vamos ver como me saio. O plano é passar esse ano trabalhando no primeiro rascunho, alternando com outra narrativa mais longa bem legal da qual ainda não posso falar (não quero correr o risco de acordar com uma cabeça de cavalo na minha cama). Devo falar mais dele em breve.

Mas esse ano sai pelo menos duas noveletas pela Draco, além de um punhado de e-books da série Contos do Dragão. E, claro, tem a série que venho desenvolvendo aos pouquinhos com o Fernando Salvaterra no site Quotidianos, capitaneado pelo Rober Pinheiro, cheio de pessoas legais fazendo coisas legais.

5) E para terminar, para você escrever é: 

Algo que eu não queria amar.

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