Eduardo Kasse, muito prazer!
Escritor e roteirista
||

Uma conversa com Eric Novello

Venha, sente-se e sirva-se da sua bebida preferida. Embriague-se com deliciosas doses de realidade. Mas cuidado: você pode nunca mais querer ficar sóbrio.

Publicado em:

Por:

novello_e_odinEric Novello estreou na literatura em 2004 e publicou quatro livros desde então, tendo participado também de diversas coletâneas.

Nascido no Rio de Janeiro, decidiu se integrar à cultura e ao caos de São Paulo, onde reside atualmente. É admirador de gatos e dono de um Maine Coon chamado Odin. Cultiva cactos e perde horas em seu PlayStation, não dispensando uma boa luta de Mortal Kombat nem passeios em Arkham.

Site: http://ericnovello.com.br

1) Ao criar suas obras de realidade fantástica, você trabalha com base exclusiva na criatividade ou mescla com experiências e experimentações pessoais?

Eric Novello. Sempre experiências pessoais. Porque meu processo de criação começa pelos personagens e eu preciso que eles sejam orgânicos para o restante funcionar.

Então, antes de definir se um cara será um mago policial que levita (ou qualquer purpurina do tipo), eu preciso saber: ele dorme à noite depois de matar alguém? Ele está disposto a se ferrar por amor? No que ele pensa quando se masturba? O que ele vê no cinema?

Essas perguntas elementares me levam por um passeio por dentro da mente do personagem, e isso é construído em cima das minhas vivências, tanto histórias vividas quanto histórias compartilhadas. É nesse passeio que encontro o ponto X, aquele mais importante do que todo o resto, e em cima dele construo o personagem.

Pode ser uma fobia, por exemplo. Medos dizem muito a respeito de alguém. Um personagem que estou criando nesse momento começou com o vício em café. E se ele bebe esse tanto de café com a profissão que ele tem (uma nada fácil!) ele provavelmente… e assim nasce um time de “pessoas” que serão aperfeiçoadas ou limadas durante o processo de escrita do livro.

Eduardo Kasse. É muito interessante essa concepção de personagens e personalidades. Uma boa história depende dessas caracterizações e quando as “vivenciamos”, como no seu processo criativo, melhor ainda!

Essa esquizofrenia artística traz muito da alma do criador. É como se determinadas facetas do nosso EU se manifestassem nesse ou naquele personagem. Quem sabe não é até uma válvula de escape para um tipo de loucura que nos acomete? 🙂

a_sombra_no_sol2) Em geral, como são seus processos criativos: insights ou pesquisas, estudos ou redação?

EN. Insights em primeiro lugar. Sou o tipo de autor que tem dezenas de cadernos de anotações, folhas presas nas paredes, arquivos txt espalhados pela área de trabalho e tudo mais que se possa imaginar de penseiras reais.

Quando comecei a escrever dez anos atrás, tinha a ilusão de que “as boas ideias sobrevivem e reaparecem”.

Mentira. Boa ideia vem e vai num estalo de dedos. Então é importante registrá-la de alguma forma, mesmo que ela só vá ser usada daqui a 10 capítulos ou coisa que o valha.

Em segundo lugar vem a pesquisa de coisas reais. Dia desses escrevi uma cena em que aparecia uma arma de eletrochoque. A situação em torno dela não durava mais do que três linhas. Ainda assim, fui estudar o assunto. Não para encher o texto de palavrinhas técnicas, mas para que a minha mente tivesse, em um nível subconsciente, as ferramentas necessárias para usar aqueles elementos da maneira mais orgânica possível na narrativa.

No livro que estou terminando agora – Exorcismos, Amores e Uma Dose de Blues – muita da minha inspiração veio do blues. Fui nas letras das canções buscar temas de interesse. Também me desafiei a buscar inspiração em imagens. Decodificar imagens em narrativas foi um pesadelo no início, mas funcionou.

EK. Para mim, escrever é fantasiar da forma mais verdadeira possível. É acreditar no que transcreve. Assim, buscar fatos e analisar o contexto histórico real, são estudos essenciais, entretanto, não gosto de permitir que esses conceitos engessem a história. A fluidez e a veracidade precisam estar em harmonia, nem que para isso cada uma ceda um pouquinho.

Quanto aos insights eu já perdi ideias interessantes por não anotar. Hoje, mesmo que seja de madrugada, levanto e escrevo meus pensamentos.

Ando sempre com papel e caneta, seja no metrô, no banheiro, passeando com a cachorrada. Só não cheguei ao desprendimento de parar uma boa transa com a Estela para anotar algo. E olha que já tive muitas ideias nesses momentos…

3) Você acha que os escritores se policiam demais em troca de ter uma obra mais “comercial”? Digo isso, pois vejo diversas “amenidades” nos textos e os seus me surpreenderam por não terem freios.

EN. Difícil dizer o que se passa na cabeça de outros autores. Penso que cada um deve seguir pelos caminhos que se apresentam com maior naturalidade, para nada soar forçado. Se o autor prefere escrever um texto mais tranquilo, com cara de autoajuda juvenil, então que seja fiel a essa proposta e tente se aprimorar dentro dela.

Se ele gosta de explorar facetas mais obscuras da natureza humana, então deve ser fiel a isso. Podemos brincar um pouco com inversões para ver como seria estranho: Já pensou os livros das Crônicas de Gelo e Fogo do George RR Martin sem sexo, violência e personagens cinzentos, numa versão meio Disney onde até o vilão se redime no final? E se pegássemos essa combinação de elementos e levássemos para as séries de Rick Riordan?  Uma versão Joffrey Baratheon do Percy Jackson seria um susto pros leitores.

Falando de mim agora, tenho como diretriz que um bom livro deixa cicatrizes. Escrevo livros para adultos, gosto sempre de dizer, e vou a territórios muitas vezes incômodos para algumas pessoas. Então, quem me lê tem que estar preparado para sair da sua zona de conforto de vez em quando.

É claro que isso depende da bagagem pessoal e cultural de cada um. O que me causa desconforto pode causar orgasmos múltiplos em outra pessoa e assim vai. Mas sei que a minha montanha-russa tem algumas descidas vertiginosas.

Importante dizer também que não coloco nada no texto de graça. Meu objetivo é criar personagens reais e fazer esses personagens impactarem o leitor. No processo de revisão, limpo o que considero excessos e aprofundo as cenas em que julgo ter sido covarde. Um bom personagem não pode ter como limites os limites do seu criador.

EK. Excelentes colocações. Cada um deve ter a sua identidade e criar textos segundo as suas crenças. Veja, isso não quer dizer escrever histórias mais do mesmo sobre um tema recorrente, mas sim encontrar os caminhos da criação e produzir aquilo que satisfaz e completa o espírito artístico individual.

E, acima de tudo, aproveitar a liberdade – que ainda temos – e desenvolver histórias com alma, entende? Menos mecanicismo e mais infinito.

Enfim, esse foi o nosso bate-papo! Espero que tenha gostado! Mas, antes de fechar a conta, o Eric respondeu mais duas perguntas:

neon_azul4) O que podemos esperar de Eric Novello para esse ano?

Queria saber também!

Esse mês (junho) publiquei o que deve ser meu último conto por bastante tempo. Ele saiu na coletânea Amor Lobo, da Giz Editorial.

Tem algo próximo a um ‘lobisomem’ como personagem principal e se passa no universo de fantasia do *Exorcismos, Amores e Uma Dose de Blues*.

Entrego mês que vem para a Editora Draco a coletânea Depois do Fim, que dá seguimento ao livro Fantasias Urbanas. Assim como no F.U., a proposta foi reunir autores diversos e traçar um panorama da FC&F no Brasil. Também quero tirar férias longas e só voltar a organizar livros daqui a uns anos.

Com isso, pretendo dedicar 100% do meu tempo de escrita aos meus próximos romances. É um compromisso assumido comigo mesmo para conseguir gerenciar o tempo sem atropelar a sanidade.

Por fim, coloco no ar em meados de setembro o site colaborativo Literamorfose, que será centrado em narrativas. Mas deixo para falar mais sobre ele adiante.

5) E para terminar, para você escrever é:

Terapia de grupo com meus demônios favoritos.

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp