Gerson Lodi-Ribeiro (@gersonlodi) publicou duas noveletas na versão brasileira da Asimov’s: a FC hard “Alienígenas Mitológicos” e a história alternativa “A Ética da Traição” que abriu as portas do subgênero no fantástico lusófono.
Autor da noveleta de FC premiada “A Filha do Predador”, das coletâneas Outras Histórias…, O Vampiro de Nova Holanda, Outros Brasis, Taikodom: Crônicas e Histórias de Ficção Científica por Carla Cristina Pereira, e dos romances Xochiquetzal: uma Princesa Asteca entre os Incas (história alternativa) e A Guardiã da Memória (FC erótica).
Editor das antologias Phantastica Brasiliana, Como Era Gostosa a Minha Alienígena!, Erótica Fantástica 1, Vaporpunk, Dieselpunk e Solarpunk.
Além disso, aprecia um bom vinho, o qual bebe com propriedade técnica e conhecimentos acadêmicos.
No seu blog, ele publica suas crônicas do dia a dia. Vale a pena conferir: http://alternative-highwayman.blogspot.com.br/
Vamos lá:
1) A literatura fantástica e de FC já passou por diversas fases aqui no Brasil e você participou de várias delas. Como você vê essa evolução?
Gerson Lodi-Ribeiro: Quando comecei a escrever FC, só havia os fanzines. Portanto, era neles que publicávamos. Naqueles tempos pré-internéticos, os fãs e autores se congregavam em torno de clubes de literatura fantástica, dos quais o mais notável foi o Clube de Leitores de Ficção Científica (CLFC). Lógico que publicar em fanzines significava privilegiar a ficção curta em detrimento dos textos mais longos, como novelas e romances. Quase não havia autores de FC brasileiros, a ponto do crítico Fausto Cunha, ele próprio um autor do gênero, ter escrito um ensaio, “A Ficção Científica no Brasil: um Planeta Quase Desabitado”. Hoje em dia, há um bocado de autores brasileiros de FC em atividade. Contudo, no que concerne à publicação de títulos estrangeiros do gênero por aqui, continuamos sendo um “planeta quase desabitado”.
No fim da década de 1980, surgiu a versão brasileira da Asimov’s. Como vários autores da minha geração, consegui publicar nessa revista. No meu caso, foram a noveleta de ficção científica hard “Alienígenas Mitológicos” (IAM 15 – julho de 1991) e a noveleta de história alternativa “A Ética da Traição” (IAM 25 – janeiro de 1993). Com o fim da Asimov’s brasileira, autores e leitores da FCB sentiram-se um pouco órfãos. No início da década passada houve tentativas de publicar revistas profissionais de FC no país, mas essas iniciativas não vingaram, fenecendo após uns poucos meses.
De forma geral, de 1982 (ano da fundação do Clube de Ficção Científica Antares no Rio Grande do Sul, a primeira agremiação de seu gênero no país) até 2009 (início do boom de publicação da literatura fantástica nacional), os autores brasileiros de literatura fantástica em geral e de ficção científica em particular, só conseguiam publicar seus romances ou coletâneas de contos de quando em quando, normalmente por editoras pequenas.
A partir do início do século XXI, surgiram empresas que ofereciam serviços de impressão por demanda a autores de literatura fantástica, desde que eles se dispusessem a pagar antecipadamente e se encarregassem da divulgação e da venda de seus livros. No fundo, não passavam de gráficas disfarçadas de editoras.
Para tentar sacudir um pouco esse panorama de marasmo editorial na literatura fantástica brasileira, em 1998 juntei-me a alguns amigos para criar a Ano-Luz, editora especializada em FC&F com ênfase na publicação de autores lusófonos. Ao longo de cinco anos de existência, só logramos publicar cinco livros e meia dúzia de livretos (aquilo que o mercado editorial norte-americano costuma chamar de booklets). Se por um lado, não conseguimos popularizar o gênero fantástico no Brasil, proporcionamos a estreia de vários autores que estão no mercado até hoje e o surgimento de projetos literários relevantes, como o Intempol (uma patrulha temporal à brasileira, criada por Octavio Aragão) e o Erótica Fantástica (projeto lançado em 2012 pela Editora Draco, mas que descende em linha direta da antologia de contos eróticos fantásticos que publicamos dez anos antes, a Como Era Gostosa a Minha Alienígena!)
Como dito acima, o grande boom da literatura fantástica nacional começou em 2009, com o surgimento de um punhado de editoras pequenas engajadas na popularização dos gêneros fantásticos. De lá para cá, o número de lançamentos anuais se elevou a ponto de impossibilitar que qualquer leitor, mesmo o mais fanático, consiga ler mais do que uma parcela reduzida de tudo o que se publica hoje no Brasil em termos de ficção científica, horror, fantasia e história alternativa, isto para ficarmos apenas nos gêneros fantásticos mais tradicionais. É a melhor época da literatura fantástica brasileira desde sempre. Não sei se podemos chamar esta época de “Idade do Ouro do Fantástico Literário”, pois toda idade do ouro presume um declínio posterior e, pelo menos por enquanto, não vejo sinais de declínio no horizonte próximo.
Eduardo Kasse: Para mim, como escritor de literatura fantástica, acho interessantíssimo conhecer a história, as dificuldades e também as evoluções do gênero aqui no Brasil.
São lições e visões muito importantes, pois ajudam-nos a dar valor a tudo aquilo que vem sendo construído com muito esforço.
Hoje, publicar é mais fácil, entretanto, é preciso ter a consciência de que qualidade, respeito aos leitores e respeito à literatura são fatores essenciais para uma carreira próspera.
2) Você encara a FC como um mercado de nicho ou acredita em uma possibilidade de divulgação mais abrangente?
GL-R: Embora o fantástico literário constitua literatura de gênero, não precisa, necessariamente, limitar-se a um nicho. No caso brasileiro, eu diria que a fantasia e o horror já não estão mais restritos a um nicho, embora a ficção científica ainda pareça estar.
Isto porque os fenômenos de vendas O Senhor dos Anéis e Harry Potter tornaram os editores nacionais mais propensos a investir em fantasia, bem como os êxitos dos best-sellers vampíricos (e, mais recentemente, a literatura zumbítica) os fizeram até certo ponto desejosos de investir em textos de horror literário. A ficção científica, por seu lado, não gozou de um fenômeno de vendas dessa ordem de magnitude, para propiciar o interesse das grandes editoras brasileiras. Adicionalmente, a FC sempre sofreu certo preconceito no mercado editorial brasileiro. A velha pecha de que “ficção científica não vende” e as explicações de sempre, “porque o povo brasileiro é atrasado”; “porque não gostamos de ciência”; “porque vivemos na periferia, não produzimos ciência ou tecnologia”; et cetera ad nauseam. Argumentos que talvez fossem válidos no Brasil de 1923, 1946, mas não no Brasil de 2013.
EK: Acredito muito no valor da diversidade e também sei que há espaço para todos. A FC é sim consumida e, se os números não são tão significativos, é porque não há tantas ofertas, certo? O consumo é impulso, tem muito do sensorial, então, se um livro estiver em destaque em uma grande livraria, se for comentado por alguém com influência na mídia ele vai ser comprado!
O que falta é boa divulgação. E isso, não só para FC, mas para os autores nacionais em geral. Mas esse mercado está mudando aos poucos e os leitores têm grande peso nessa evolução da percepção das livrarias e editoras.
As bravatas que nós escritores ouvimos são do mesmo estilo de “o rock morreu”, mas quando vem uma banda clássica tocar por aqui, os ingressos são esgotados em horas, independentemente dos preços.
Há público para tudo e para todos. E ponto final.
3) Você já leu alguém da “nova geração” de escritores de Fantasia e FC brasileiros que lhe cativou?
GL-R: Bem, considerando meu trabalho como antologista, tanto na trilogia Punk (Vaporpunk, Dieselpunk e Solarpunk) quanto nas Eróticas Fantásticas e na Super-Heróis, creio ter sido uma das pessoas que leu mais textos curtos de autores da nova geração nos últimos tempos. Lógico que muitos desses autores me cativaram com seus textos, tanto é que eu os selecionei para integrar as antologias que organizei para a Editora Draco nos últimos anos. J Não vou citar nomes porque, com certeza, esqueceria alguém querido e importante, causando estresse e mimimi desnecessário entre os amigos e colaboradores (Desculpa excelente, não?). Porém, se alguém quiser saber o que mais me impressionou nos últimos tempos, em termos de ficção curta, basta observar o que selecionei nas antologias citadas. Gostaria de citar alguns romances fantásticos de autores brasileiros. Contudo, em virtude do próprio esforço para organizar as diversas antologias num espaço de tempo relativamente curto, confesso que me concentrei muito mais na apreciação da ficção curta em detrimento dos textos mais encorpados. Infelizmente. Pretendo corrigir esta deficiência ao longo dos próximos anos.
EK: Eu também tenho me impressionado muito com os textos que tenho lido. Aliás, li diversos autores dessas coletâneas citadas e afirmo: valeu a pena.
Quem me conhece, sabe que sou um grande entusiasta de quem faz um trabalho relevante. Divulgo, compartilho, apresento aos amigos. Acho mais produtivo construir do que me preocupar em destruir, como muitos fazem. Dá mais trabalho, mas é muito mais gratificante.
Acho que com essa postura, podemos contribuir para o crescimento do mercado, não é?
Enfim, esse foi o nosso bate-papo! Espero que tenha gostado! Mas, antes de fechar a conta, o Gerson respondeu mais duas perguntas:
4) O que podemos esperar de Gerson Lodi-Ribeiro para esse ano?
Se tudo correr como espero, devo concluir mais duas antologias e publicar um romance de ficção científica hard, Quando Deus Morreu, e uma fix-up de história alternativa, Aventuras do Vampiro de Palmares.
Estou trabalhando atualmente no segundo romance de uma trilogia ambientada no mesmo universo ficcional de A Guardiã da Memória (Draco, 2011). Além disso, recebi a proposta tentadora de encorpar minha monografia Vinho no Mundo Romano, dobrando seu número de palavras para transformá-la num livro de verdade. Considerando que existem mais amantes da história do vinho do que apreciadores de ficção científica no Brasil, se esse projeto vingar, deve vender direitinho.
5) E para terminar, para você escrever é:
Primeiro, o clichê piegas: “Todas as outras coisas que eu faço são o que eu faço. Escrever é o que eu sou.”
A sério, agora e ligeiramente menos piegas: a atividade literária é de longe o empreendimento mais desafiador e recompensador ao qual eu poderia me dedicar. Escrever é simplesmente o que me define como pessoa, o que faz minha vida valer a pena.
Por outro lado, escrever é tal simples e tão necessário quanto respirar. É claro, sempre haverá o professor de yoga reclamando: “você não está respirando direito”. No entanto, não há alternativa que não a de desenvolver a técnica para respirar melhor. Porque ainda não me sinto preparado para não respirar mais. Nem para deixar de escrever.